12 de março de 2013 | 2h 13
O Estado de S.Paulo
O governo argentino pretende arrancar
mais vantagens do Brasil, em mais uma revisão do acordo automotivo assinado em
2000 para acabar em 2005, mas a partir daí prorrogado várias vezes. Em toda
prorrogação foram fixados novos benefícios para o lado argentino, por meio de
fórmulas calculadas para dispensar aquele sócio de se tornar competitivo. A
nova esperteza argentina é mais uma comprovação do erro cometido pelo governo
petista, há dez anos, quando optou por um regionalismo ingênuo inspirado em
bandeiras terceiro-mundistas.
Na última negociação, o acordo foi
estendido até 2013. A partir daí valeriam normas de livre comércio, mas a
presidente Cristina Kirchner decidiu mudar o jogo mais uma vez. Comércio aberto
está fora da agenda da Casa Rosada. O assunto estava na pauta do encontro
bilateral marcado para a semana passada e suspenso por causa da morte do
presidente Hugo Chávez.
Desta vez, o governo argentino quer,
além da extensão do pacto bilateral, a fabricação, em seu país, de parte dos
produtos incluídos no programa brasileiro Inovar-Auto. Em outras palavras, a
indústria instalada na Argentina deve ganhar, se Brasília estiver de acordo,
uma carona em um programa custeado pelo contribuinte brasileiro. Será uma
surpresa se, no fim da história, a presidente Dilma Rousseff recusar mais esse
mimo à companheira Cristina Kirchner.
Há vários anos o governo brasileiro
vem moldando boa parte de suas decisões estratégicas de acordo com os interesses
definidos em Buenos Aires. Foi assim no episódio da suspensão do Paraguai e da
admissão da Venezuela como quinto membro do Mercosul. Nas negociações com a
União Europeia sempre prevaleceram as restrições argentinas, mesmo quando o
Itamaraty se mostrou disposto ao entendimento com os europeus.
Na adiada reunião bilateral com a
companheira Cristina Kirchner, a presidente Dilma Rousseff havia se preparado
para anunciar novas concessões, como a participação do BNDES no financiamento
de obras de infraestrutura e a abertura de uma cota para importação de camarões
argentinos. A pauta deveria incluir também assuntos menos agradáveis, como as
dificuldades da Vale para executar um projeto de exploração de potássio. Sem um
acordo para compensar a alta de custos causada pela inflação e outros problemas
de relacionamento com o setor público, a companhia poderá suspender o
investimento.
Crescentemente atolado no difícil
relacionamento com a Argentina, o governo brasileiro tem espaço cada vez menor
para se ajustar às novas condições do mercado internacional. Formalmente, o
Mercosul é uma união aduaneira, embora nem chegue a funcionar de modo
satisfatório como área de livre comércio. Como sócios de uma união aduaneira,
os países-membros devem respeitar a regra da tarifa externa comum. Por isso,
podem negociar acordos comerciais apenas em bloco. Toda concessão tarifária a
qualquer parceiro de fora depende da aprovação dos demais.
Até agora, o Mercosul negociou poucos
acordos de livre comércio, sempre com parceiros em desenvolvimento e, em alguns
casos, sem relevância econômica para o Brasil. Enquanto isso, acordos
bilaterais e inter-regionais multiplicam-se em todo o mundo, sem a participação
do Brasil. Ou seja, o Brasil está cada vez mais fora do jogo relevante para o
comércio internacional. Os EUA empenham-se em concluir um acordo com parceiros
do Pacífico. O entendimento inclui vários países em desenvolvimento da Ásia e
da América Latina e em breve poderá incluir também Japão e Coreia do Sul. Ao
mesmo tempo, autoridades americanas e europeias dão os primeiros passos para um
acordo de comércio e investimentos entre os dois lados do Atlântico Norte. Para
Jeffrey Schott, do Peterson Institute for International Economics, o Brasil
errou tanto na Rodada Doha, ao se aliar à Índia e à China, como na agenda
bilateral, amarrada ao Mercosul. Os fatos, até agora, confirmam esse
diagnóstico.
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